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terça-feira, 20 de maio de 2014

Estrogênios sintéticos

A conta chega depois

Lúcia Guimarães - O Estado de S.Paulo

Antigamente, quando ia visitar amigos no Brasil, toda vez que ia pegar um copo d'água, procurava a talha de barro com filtro de cerâmica instalada na parede. De uns anos para cá, minha busca vã é saudada com um sorriso tolerante. A água é mineral. "Numa garrafa plástica cheia de Bisfenol A", concluo, em silêncio.


Nossos novos hábitos de consumo são tipicamente ilustrados pelo abandono do filtro de cerâmica. O velho sistema de filtragem brasileiro foi considerado o mais eficiente do mundo numa pesquisa no ano passado. Mas o utensílio, além de não ter o design favorecido numa cozinha emergente, trai o fato de que a água jorrando das torneiras não é potável. Ou seja, é um sinal de atraso. Na verdade, a garrafa plástica que aumenta a poluição ambiental oferece, não só atraso cognitivo, como maior risco de câncer de mama e de próstata. O Bisfenol A imita o estrogênio, um hormônio que, em doses excessivas ou baixas demais, é responsável por uma lista de prejuízos à saúde, especialmente o desenvolvimento do cérebro e de órgãos no útero e no começo da infância.

Esta colunista faz tempestade num copo plástico de água, dirá o leitor. Mas, se ler a edição de março/abril da revista Mother Jones, ele pode também sair correndo atrás de um filtro de cerâmica. E jogar fora todos os vasilhames de plástico que tem na cozinha. E parar de comprar água mineral e refrigerantes em garrafas plásticas.

Explico: a repórter Mariah Blake publicou na Mother Jones uma longa reportagem sobre novos estudos que estendem a vários tipos de plásticos, não só os que contêm o Bisfenol A, os riscos à saúde. Um só estudo feito por um biólogo da Universidade do Texas examinou 455 tipos de plástico comercializados nos Estados Unidos e a maioria exibia "atividade de estrogênio".

Numa reação previsível na história industrial do último meio século, os empresários atingidos investem milhões no esforço de desacreditar os que acusam de alarmistas e sempre encontram o cientista disposto a conduzir um estudo que chegue à conclusão contrária.

As táticas do lobby do plástico, escreve Blake, são semelhantes às usadas pela indústria do fumo, a ponto de contratarem os mesmos cientistas. Afinal, um negócio anual de US$ 375 bilhões, só nos Estados Unidos, tem muito a perder.

Mas nosso cotidiano é cercado de plástico, dirá o leitor. Nosso cotidiano era cercado de tabaco, não era?

O Bisfenol A, ou BPA, explodiu na mídia americana como um vilão em 2008, em parte porque este policarbonato era usado nos plásticos de mamadeiras e chuquinhas. O Brasil baniu o uso do BPA nos produtos infantis, os Estados Unidos também, mas, no ano passado, a FDA, agência americana de controle de drogas e alimentos, declarou o BPA, em pequenas doses, seguro. Depois de ler a reportagem da Mother Jones, não fiquei mais tranquila. Para se ter uma ideia do que está em jogo para o lobby do plástico, foi a própria indústria que estimulou as grandes cadeias de lojas americanas a retirar os produtos infantis com BPA da prateleira, ciente de que o fluxo de más notícias não ia estancar.

E estavam certos. No ano que vem, a França vai proibir todos os plásticos com BPA. Na nossa economia globalizada, uma decisão como esta num país do tamanho da França afeta o comércio internacional, já que o BPA é amplamente usado em produtos como o forro plástico em latas de alimentos, sacos herméticos em que embalamos alimentos e nos filtros de PVC que usamos na cozinha. O problema não vai embora como a talha de barro. A China, que reciclava enorme quantidade de garrafas de plástico dos Estados Unidos, deixou de fazê-lo por causa do BPA.

Há cerca de mil estudos comprovando o dano do BPA à nossa saúde. Há um número muito menor de estudos milionários financiados pela indústria do plástico que concluíram o contrário. Como explicar? A repórter Blake aponta para uma figura curiosa que atende pelo nome de Charles River Sprague Dawley Rat. É um rato de laboratório que sofreu uma mutação genética responsável por sua tolerância, imaginem, ao estrogênio. De fato, este rato com nome comprido tolera a ingestão de cem vezes mais doses de estrogênio do que uma mulher. Como procurar o risco do BPA e pensar na prevenção do câncer de mama desta forma?

"Um veneno mata você", disse à Mother Jones, o professor de biologia Frederick von Saal. "Uma substância química como Bisfenol A reprograma sua células e vai causar a doença que vai matar seus netos."

Cada vez que sou obrigada a comprar uma garrafa de água mineral na rua, penso no tempo em que ela passou no sol ou num depósito em alta temperatura, condições ideais para aumentar a liberação do estrogênio, que vai, no futuro, adoecer meus netos. E penso, como era lindo o filtro de cerâmica.

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